segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Artigos que 'caducaram' fazem da CLT fonte de ações trabalhistas

Artigos que 'caducaram' fazem da CLT fonte de ações trabalhistas

(07/09/2009 - 08:00)

 
Mariana Oliveira Do G1, em São Paulo

Diversos artigos sem validade fazem da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho, legislação que regula o trabalho com carteira assinada no Brasil) uma fonte permanente de ações na Justiça trabalhista.

Isso porque esses artigos "caducaram" e, como não foram revogados, passaram a contrariar leis mais novas e até mesmo a Constituição Federal.

O sociólogo José Pastore, especialista em relações de trabalho, avalia que a defasagem da CLT alimenta os processos trabalhistas. "São quase 2 milhões de processos trabalhistas no Brasil, e o problema não está na Justiça. A culpa é da CLT, que tem barbaridades." 

No texto da CLT, há vários artigos riscados. Isso significa que foram expressamente revogados ou alterados por leis posteriores. Aqueles que simplesmente se confrontam com legislações mais recentes seguem no texto como se ainda estivessem válidos. 

De acordo com a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, a Lei de Introdução do Código Civil estabelece que, quando duas leis tratam do mesmo tema, a mais nova prevalece. Além disso, a Constituição Federal de 1988 prevalece sobre todas, sejam elas anteriores ou posteriores. Ou seja, os artigos inválidos estão implicitamente revogados.

Na avaliação de especialistas consultados pelo G1, essa desatualização dá brecha para questionamentos judiciais a respeito dos direitos trabalhistas e cria "insegurança jurídica". 

Além do teor dos artigos, o texto da lei não acompanhou outras mudanças, como a da língua portuguesa - é possível encontrar palavras como "emprêsa" e "têrmo" - , e os nomes dos órgãos - em vez de Ministério do Trabalho e Emprego, como é atualmente, a lei trata a pasta como Trabalho, Indústria e Comércio - atualmente, são dois ministérios diferentes.

Atualização 
Para tentar solucionar esses problemas, o Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis da Câmara dos Deputados discute, dentro do sub-grupo de leis trabalhistas, a atualização da CLT.

A consultora legislativa da Câmara Cláudia Melo, especialista em Direito do Trabalho, assessora os parlamentares no projeto de atualização da CLT. Ela afirma que a atualização é necessária para que a população possa ter conhecimento de seus direitos. 

"Caducou muita coisa dentro da CLT. A gente analisou quase 500 leis distintas e consolidou o que ainda valia com o texto que ainda é válido da CLT. A proposta é tornar a consolidação das leis trabalhistas mais clara e reduzir o número de processos da Justiça", afirma a consultora Cláudia Melo.

O projeto de lei - 1987/2007 - foi apresentado pelo deputado federal Cândido Vaccarezza (PT-SP) e tem como relator o deputado Arnaldo Jardim (PPS-SP). Segundo os dois parlamentares, a proposta não altera o mérito da lei, apenas tira o que está inválido do texto e agrega legislações trabalhistas posteriores à CLT, como, por exemplo, a do trabalho doméstico e a do trabalho temporário. 

Arnaldo Jardim apresentou no começo deste ano ao grupo de trabalho um substitutivo ao projeto, após sugestões de diversas entidades. A previsão, segundo o relator, é convocar uma comissão geral (sessão plenária aberta a convidados para debater tema específico) na Câmara até o fim deste mês para uma discussão sobre a atualização da CLT.

Pós e contras 
Tanto trabalhadores quanto empregadores veem as atualizações na CLT como benéficas. 

O gerente executivo das relações do trabalho da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Emerson Casali, avalia que a defasagem da CLT atrapalha os empresários. "Está com vácuo legal e gera insegurança jurídica. Você não sabe o que tem que pagar. (...) Gerar emprego não pode ser uma atividade de alto risco." 

O secretário-geral da Força Sindical, João Carlos Gonçalves, o Juruna, se diz favorável à atualização da CLT, desde que os direitos não sejam alterados: "Nós sabemos que alguns itens estão bem desatualizados e achamos importante atualizar, mas sem mexer em direitos." 

O relator do projeto, deputado Arnaldo Jardim, diz estar "animado" em relação ao projeto: "Nós partimos de uma situação muito adversa, a maioria das entidades ficou preocupada porque pensou que uma reconsolidação das leis pudesse retirar direitos. Mas essa idéia foi sendo revertida. Avalio que agora possa haver um grande consenso". 

O presidente do Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro, o 
advogado trabalhista Sérgio Batalha, no entanto, pede cautela na discussão. "Atualizar certos aspectos, a questão técnica, seria cabível. Mas tem que conhecer melhor esses detalhes. Qualquer mudança tem que ser analisada com cuidado para ver se não há mudanças substanciais em coisas importantes."

'Insegurança jurídica' 
Para o presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciano Athayde, o item inválido da CLT que gera mais conflito nas ações trabalhistas atualmente é a base de cálculo para o adicional de insalubridade - por conta de uma indefinição, cada juiz define uma base.

"No momento a nossa prioridade que precisa ser resolvida com urgência e cria insegurança jurídica é a base de cálculo do adicional", diz o magistrado. 

Athayde defende uma atualização da CLT para incluir questões como o teletrabalho e a terceirização - outro tema, segundo ele, de conflitos no Judiciário trabalhista. "Acho, porém, que deveriam ser feitas minirreformas. Mudar a CLT toda é difícil. Isso não avança no Congresso." 

Princípios básicos 
Para o presidente da Anamatra, embora a CLT precise de aprimoramento, não pode ser considerada ultrapassada. "Eu diria que não está ultrapassada pela razão de que as relações trabalhistas não mudaram tanto assim. Ainda que mereça aprimoramento, muito do que diz a CLT está na Constituição, que homenageou o modelo de proteção ao trabalhador." 

O corregedor do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Carlos Alberto Reis de Paula, também defende que sejam mantidos os princípios básicos. "A CLT como toda lei pode e deve ser repensada. Ela é de 1943. Mas não podemos ponturar questões apenas por interesses de momento. Temos de pensar nos princípios e eles estão presentes na CLT." 

Presidente da Comissão do Processo de Trabalho da Ordem dos Advogados do Brasil, o advogado trabalhista Estevão Mallet concorda que o texto está superado em alguns pontos, mas também defende que o teor continue o mesmo.

"Em relação aos direitos que ela prevê são práticas correntes em países com nível semelhante." Para Mallet, o grande problema da CLT se refere ao ramo sindical, o que precisaria ser alterado por meio de uma reforma específica. "Até hoje não é possível haver mais de um sindicato para a mesma categoria na mesma região", completa.

 

Reforma trabalhista deve ficar para o próximo governo, prevê líder do PT
A discussão da reforma trabalhista, que começou no primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deve ficar para o próximo governo, segundo prevê o líder do PT na Câmara dos Deputados, Cândido Vaccarezza (SP).

"Não acredito em discussão de reforma em 2010. O ano de 2011 é ideal para discutir uma reforma tributária, política, administrativa e trabalhista. Porque o calendário eleitoral faz parte da vida e não há precedente de se discutir reforma em ano eleitoral", avalia o parlamentar.

A reforma trabalhista, que deve ser composta de seis projetos de lei, está sendo tecida na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e ainda não há previsão nem para término nem para apresentação das propostas ao Congresso.

Para o sociólogo José Pastore, especialista em relações do trabalho, o teor da CLT está "ultrapassado" e a reforma é necessária.

A lei foi aprovada em 1943, mas, na verdade consolida muitas leis da década de 30. O mundo do trabalho era muito diferente do que é hoje. Você tinha uma economia fechada, a única forma de trabalho que se tinha era o emprego. Hoje é quase o inverso, as formas de trabalhar são variadas, tem trabalho casual, casual permanente, gente que trabalha à distância." 

O gerente da CNI Emerson Casali concorda: "No geral, o que se percebe é que hoje a legislação trabalhista não atende ao que deveria atender. Deveria garantir proteção aos trabalhadores e se você tem 50% dos trabalhadores na informalidade, não atende." 

O corregedor do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministro Carlos Alberto Reis de Paula, diz que falta "vontade" para discutir a reforma trabalhista: "Eu acho que falta efetiva vontade de fazer uma revisão completa estabelecendo um novo ordenamento sindical e trabalhista. Há vários interesses, os empresários pressionam de um lado e as centrais sindicais de outro." 
 

Conheça a prévia das propostas do governo para mudar as relações trabalhistas
PLR (Participação nos lucros e resultados)
Regulamenta dispositivo da Constituição que prevê direito do trabalhador à participação nos lucros ou resultados das empresas. Pelo projeto, a PLR será obrigatória. Há previsão de percentuais mínimos para evitar que empresa imponha meta inatingível.
Contrato para qualificação
Governo propõe que empresas façam contratos especiais para qualificar trabalhadores. O empregado em qualificação receberia 75% do trabalhador efetivo ou do salário que lhe seria pago ao ser efetivado. Pela proposta, a empresa não teria que arcar com pagamento de direitos trabalhistas.
Prestação de serviços
Para dar garantia aos autônomos que atuam como pessoas jurídicas na prestação de serviços, o governo propõe que esses profissionais se organizem em associações técnicas para negociação coletiva. A idéia é criar um contrato de prestação de serviços especializados que garantiriam alguns direitos ao trabalhador.
Microempreendedor individual
Proposta é de criar a Cota Especial para o Microempreendedor Individual (Cemei) para receber contribuições previdenciárias por parte dos microempreendedores individuais. A idéia é criar incentivos para que os microempreendedores se organizem em associações.
Regulamentação da mão-de-obra terceirizada
Projeto estabelece regras contratuais e direitos para o trabalhador terceirizado.
Contribuição patronal
Proposta é desonerar a contribuição patronal à Previdência, com aplicação de alíquotas que variam conforme a remuneração do trabalhador. Remunerações mais baixas poderiam ser completamente desoneradas. A idéia é aumentar a contratação de trabalhadores formais.
Fonte: Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República

Portal G1

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