quarta-feira, 24 de março de 2010

Prescrição do cheque. Análise da interpretação doutrinária e jurisprudencial

Prescrição do cheque.

Análise da interpretação doutrinária e jurisprudencial

Elaborado em 09.2007.

Armindo de Castro Júnior
advogado em Cuiabá (MT), professor universitário, mestre em Ciências Jurídico-Empresariais pela Universidade de Coimbra (Portugal)



1. Introdução

A doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores têm-se mostrado indecisas e conflitantes sobre a prescrição do cheque, o principal título de crédito utilizado nas relações comerciais. A confusão acabou por tornar-se ainda maior com a popularização do cheque pós-datado, verdadeira instituição nacional. O objetivo do presente artigo é o de tentar esclarecer o tema, apontando os principais equívocos tidos pelos intérpretes da Lei.


2. Apresentação do cheque

Uma correta abordagem do tema passa, primeiramente, pelo prazo de apresentação do cheque, nos termos da Lei nº 7.357/85 (Lei do Cheque):

Art. 33. O cheque deve ser apresentado para pagamento, a contar do dia da emissão, no prazo de 30 (trinta) dias, quando emitido no lugar onde houver de ser pago; e de 60 (sessenta) dias, quando emitido em outro lugar do País ou no exterior.

A perfeita análise do dispositivo legal importa em reconhecer se um cheque foi emitido na praça onde houver de ser pago ou fora dela. Para tanto, basta comparar o local de emissão do título à praça de pagamento nele designada (domicílio da agência bancária onde o emitente tem sua conta-corrente): sendo idênticos os municípios, o cheque será considerado como emitido na praça de pagamento e deve ser apresentado no prazo de 30 dias, a contar da data de emissão; sendo diversos os locais, o prazo de apresentação será de 60 dias.

Algumas pessoas, ao emitir um cheque, deixam em branco o local de emissão; nesses casos, de acordo com o artigo 5º do Anexo ao Decreto nº 1.240/94, que promulgou a Convenção Interamericana sobre Conflitos de Leis em Matérias de Cheques, o cheque deverá ser considerado como emitido na praça de pagamento.

A contagem do prazo segue a regra do direito comum, pelo disposto no parágrafo único do artigo 64 da Lei do Cheque. Assim, de acordo com o artigo 184 do CPC, para a contagem do prazo de apresentação deve-se excluir o dia em que o cheque foi emitido (dia do começo), devendo o cheque ser apresentado até o último dia do prazo (dia do vencimento). Se o último dia de apresentação cair em feriado, o prazo fica prorrogado até o primeiro dia útil seguinte (parágrafo primeiro do mesmo artigo do CPC).

2.1. Importância da apresentação do cheque no prazo de Lei

O cheque apresentado dentro do prazo legal mantém força executiva contra todos os coobrigados do título, pelo disposto na Lei do Cheque:

Art. 47. Pode o portador promover a execução do cheque:

I - contra o emitente e seu avalista;

II - contra os endossantes e seus avalistas, se o cheque apresentado em tempo hábil e a recusa de pagamento é comprovada pelo protesto ou por declaração do sacado, escrita e datada sobre o cheque, com indicação do dia de apresentação, ou, ainda, por declaração escrita e datada por câmara de compensação.

Caso tenha sido apresentado fora do prazo prescrito pelo artigo 33 da Lei ora comentada, o cheque perderá força executiva contra os endossantes e respectivos avalistas, conforme se depreende do inciso II do artigo 47. Saliente-se que a perda da força executiva somente se dará em relação aos coobrigados indiretos já citados, permanecendo o direito de ação contra os obrigados diretos pelo título (emitente e seus avalistas), conforme Súmula 600 do STF: "Cabe ação executiva contra o emitente e seus avalistas ainda que não apresentado o cheque ao sacado no prazo legal, desde que não prescrita a ação cambiária".

A perda de força executiva do título pode se dar até mesmo contra o emitente, desde que satisfeitas as duas condições, previstas no §3º do supracitado artigo 47:

a) o emitente deve ter tido fundos disponíveis em sua conta-corrente durante todo o prazo de apresentação; e

b) o correntista deixou de ter os fundos, por fato que não lhe seja imputado.

Não basta, portanto, a simples apresentação do cheque fora do prazo para a configuração da perda de força executiva prevista neste parágrafo; o emitente deve incumbir-se de fazer prova dos requisitos acima descritos. Sobre o tema, consultar o Recurso Especial nº 182.639/MS, relatado pelo Ministro Waldemar Zveiter, julgado pela Terceira Turma do STJ em 18/10/99.

A prova da recusa de pagamento por parte do banco é feita pela aposição de carimbo, no verso do cheque, por parte do banco ou da câmara de compensação. O protesto, referido no dispositivo legal como meio de prova do não-pagamento do cheque, deve ser desconsiderado, uma vez que, pelo artigo 6º da Lei de Protestos (Lei nº 9.492/97), é necessária a prova de apresentação do cheque ao banco-sacado para que o título seja protestado, "salvo se o protesto tenha por fim instruir medidas pleiteadas contra o estabelecimento de crédito".


3. Prescrição do cheque – direitos do portador

O cheque prescreve, deixando de ser considerado título executivo, no prazo de seis meses, contados do término do prazo de apresentação, nos termos da Lei do Cheque:

Art. 59. Prescreve em 6 (seis) meses, contados da expiração do prazo de apresentação, a ação que o Art. 47 desta Lei assegura ao portador.

A Lei é bastante clara: para contagem da prescrição do cheque conta-se, a partir da data de emissão, o prazo de apresentação (30 dias, se o cheque foi emitido na praça de pagamento; ou 60 dias, se a emissão deu-se fora da praça); à data obtida somam-se seis meses.

Conforme já vimos, o prazo de apresentação é prorrogado para o primeiro dia útil seguinte se o vencimento ocorrer num dia feriado. Para a contagem do prazo prescricional do cheque, contudo, o prazo de seis meses começa a ser contado do término do prazo de apresentação, ainda que a data não caia em dia útil. A prescrição somente será prorrogada para o primeiro dia útil seguinte se o prazo de prescricional do cheque cair em feriado.

Exemplificando: imaginemos um cheque emitido, na praça de pagamento, no dia 15 de março de 2007; contando-se o prazo de apresentação de 30 dias, a contar da data de emissão, teremos o dia 14 de abril, um sábado, como termo final de apresentação. A apresentação do cheque poderá ser feita até segunda-feira, dia 16, mas o prazo prescricional de seis meses deverá ser contado a partir do dia 14 de abril, encerrando-se no dia 14 de outubro. Como esta data cai em um domingo, a prescrição do cheque será prorrogada para o primeiro dia útil seguinte, segunda-feira, 15 de outubro de 2007.

3.1. Interpretação doutrinária

Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 447-448) é bastante claro e didático sobre a contagem do prazo prescricional do cheque:

Lembre-se, a propósito, que, para fins cambiais, os dias se contam pelos dias (LU, art. 36). Não é correto, portanto, considerar prescrito o cheque de mesma praça em 7 meses e o de praças diferentes em 8. A exata aplicação da lei impõe a contagem dos 30 ou 60 dias correspondentes ao prazo de apresentação, dia a dia, e, em seguida, a soma de 6 meses ao mês do término do prazo. Em outros termos, não se podem contar meses por dias, nem esses por aqueles.

Não se pode, portanto, considerar como correta a afirmação de Arnaldo Rizzardo (2006, p. 213), quando afirma que "na prática, o lapso prescricional será de 7 ou 8 meses da emissão do título". Mais incorreta, ainda, é a interpretação dada pela Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, em seu site: "O cheque prescreve 180 dias depois de sua apresentação, que deverá ser feita em 30 dias, se for na mesma praça em que foi emitido, ou em 60 dias, caso ocorra fora dela".

A contagem do prazo deve ser efetuada, primeiramente, contando o prazo de apresentação e, depois, os seis meses prescricionais e, nunca, vice-versa. Encontramos tal contradição na obra de Marcelo Bertoldi; ao cuidar da prescrição do título (2003, p. 131), o autor corretamente ensina que "se se tratar de cheque da mesma praça, a ação cambial prescreve em 30 dias mais 6 meses. Tratando-se de cheque de outra praça, o prazo prescricional será de 60 dias mais 6 meses". Posteriormente, no resumo (2003, p. 133), erra ao afirmar que a ação cambial prescreve em "6 meses + 30 dias (mesma praça)" e "6 meses + 60 dias (outra praça)".

Apesar dos equívocos acima apontados, a doutrina é praticamente pacífica sobre a contagem prescricional do cheque acima descrita. As únicas vozes dissonantes sobre o tema parecem ser as de Rubens Requião e Gladston Mamede. Requião (2003, p. 538) assim se pronuncia sobre o tema:

O prazo de apresentação do cheque é de trinta dias quando sacado na praça onde tiver de ser pago, e de sessenta dias quando em outra praça ou no exterior. Assim, se o cheque não foi apresentado no prazo previsto, de trinta dias, por exemplo, a prescrição começa a correr após o decurso desse prazo; se for apresentado e não pago, por qualquer motivo, inclusive por falta de provisão de fundos, a prescrição começa a contar a partir do dia da primeira apresentação.

Gladston Mamede (2005, p. 305-306), por sua vez, analisa o tema pela ótica da Terceira Turma do STJ que, ao julgar o Recurso Especial nº 47.149/MG, debateu-se se a contagem do prazo prescricional dar-se-ia a partir do término de prazo prescricional ou da data da primeira apresentação, conforme o supracitado entendimento de Rubens Requião. Mamede assim se posiciona:

Entre as duas posições, parece-me adequada a segunda. Com a apresentação, finda-se o prazo de apresentação, pois se trata de direito exercido; melhor seria, a meu ver, se o prazo fosse contado da segunda apresentação, quando houver, já que lícita e, mais, ato que caracteriza, indubitavelmente, tentativa de exercício regular do direito ao crédito pelas vias materiais. De qualquer sorte, na apresentação (a primeira ou, existindo, a segunda) exercitado está o direito correspondente que, uma vez frustrado, transfere a situação para a fase jurídica seguinte, qual seja o aforamento da execução. Tal entendimento, porém, é minoritário, tendendo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a considerar por dies a quo último do prazo de apresentação, mesmo que esta se tenha concretizado anteriormente.

As posições adotadas por Requião e Mamede são minoritárias; a maior parte dos autores, entre os quais nos incluímos (2003, p. 101-103), entende que o prazo prescricional do cheque começa a correr a partir do término do prazo de apresentação, independentemente da data em que esta ocorreu. Nesse mesmo sentido estão Waldo Fazzio Júnior (2006, p. 459), Waldirio Bulgarelli (2001, p. 344-345), Amador Paes de Almeida (2006, p. 126), Fran Martins (1998, p. 129-130) e Othon Sidou (1986, p. 300).

3.2. Interpretação jurisprudencial

O Superior Tribunal de Justiça ainda não firmou jurisprudência sobre a prescrição do cheque. A Quarta Turma do STJ tem o mesmo entendimento da doutrina majoritária, de que o cheque prescreve em 6 meses, contados do término do prazo de apresentação, não importando a data em que esta é efetuada. Tal posicionamento vem desde 1992, quando do julgamento do Recurso Especial nº 11.529/SP, em que o Ministro Relator, Sálvio de Figueiredo Teixeira, citou a lição de Egberto Lacerda Teixeira, na obra "A nova lei brasileira do cheque":

Atente-se, ainda, para nova peculiaridade da lei. Modificou-se, também, o critério de fixação do termo inicial do prazo prescricional. Não se conta o período de seis meses da efetiva apresentação do cheque ao sacado; mas do vencimento do prazo legal de apresentação.

Ainda da Quarta Turma, ver os Recursos Especiais nº: 222.610/SP, 162.969/PR, 539.777/PR e 274.633/SP. Tal corrente é seguida pelos tribunais estaduais, em sua quase totalidade (ver: TJ/MG, Apelação Cível, processo nº 2.0000.00.406862-2/000(1); TJ/MA, Apelação Cível nº 21892001; TA/PR, Apelação Cível nº 0192494-9; TJ/RS, Apelação Cível nº 70002294155; TJ/RJ, Apelação Cível nº 2000.001.13152; TJ/SC, Apelação Cível nº 98.015090-6).

A Terceira Turma, que se apóia apenas no pensamento de Rubens Requião, entende que se o cheque for apresentado no prazo legal de 30 ou 60 dias, a prescrição começará a ser contada a partir da primeira apresentação (ver Recursos Especiais nº: 45.512-0/MG, 47.149/MG, 182.639/MS e 435.558/MG). Essa interpretação teve divergência dentro da própria turma, conforme se verifica pela íntegra do Recurso Especial nº 47.149/MG.


4. Prescrição do cheque – ação de regresso

A prescrição da ação regressiva do cheque está prevista na Lei do Cheque, artigo 59:

Parágrafo único. A ação de regresso de um obrigado ao pagamento do cheque contra outro prescreve em 6 (seis) meses, contados do dia em que o obrigado pagou o cheque ou do dia em que foi demandado.

De acordo com o dispositivo legal, o prazo de 6 meses deve ser contado da seguinte forma:

a) em se tratando de pagamento extrajudicial, o prazo será contado da data em que o obrigado pagou o cheque; ou

b) se o pagamento foi feito em juízo, o prazo começa a fluir a partir da data em que o obrigado acionado.


5. Cheque pós-datado

5.1. Definição

Pode-se definir o cheque pós-datado, mais popularmente conhecido como pré-datado, como sendo aquele que é emitido em uma data para desconto em data posterior. As duas maneiras mais comuns desta modalidade de cheque são:

a) Cheque bom para dia...: o cheque é emitido na data correta, com menção à data em que deverá ser apresentado a pagamento.

b) Cheque emitido com data futura: a data de emissão do cheque é aquela em que o título deverá ser descontado.

Apesar de largamente utilizado nas relações comerciais, não existe na Lei do Cheque previsão para a existência do pós-datado. A Lei, ao contrário, fulmina com invalidade o acordo de pós-datação:

Art. 32. O cheque é pagável à vista. Considera-se não-escrita qualquer menção em contrário.

Parágrafo único. O cheque apresentado para pagamento antes do dia indicado como data de emissão é pagável no dia da apresentação.

Assim, se o cheque foi emitido na data correta (bom para dia...), o acordo de pós-datação é fulminado de invalidade pelo caput do dispositivo legal; sendo emitido com data futura, a invalidação é dada pelo parágrafo único do mesmo artigo.

A jurisprudência há muito vem reconhecendo a possibilidade de responsabilização civil do favorecido pelo descumprimento do acordo de pós-datação do cheque. A relação emitente-banco, contudo, continua sendo regulada pelo artigo 32 da Lei do Cheque: ao receber um cheque pós-datado para desconto antecipado, o banco somente pode tomar duas atitudes: pagar o título ou devolvê-lo por falta de provisão de fundos.

5.2. Prescrição do cheque pós-datado

Não havendo proteção pela Lei do Cheque, a prescrição do cheque pós-datado segue a regra geral acima descrita, com algumas modificações, conforme o tipo de acordo de pós-datação estabelecido entre emitente e favorecido.

5.2.1. Prescrição do cheque bom para dia...

Como tem a data correta de emissão, a prescrição desta modalidade de cheque pós-datado segue a regra da prescrição, ou seja, a contagem do prazo prescricional tem por termo inicial a data de emissão.

Se a interpretação das Turmas Cíveis do STJ sobre a prescrição do cheque tem divergências, o ingresso do acordo de pós-datação ao tema acaba por tornar a jurisprudência ainda mais confusa. A Terceira Turma, num primeiro momento, no julgamento do Recurso Especial nº 435.558/MG (com voto divergente da Ministra Nancy Andrighi), entendeu que a inscrição da data combinada para apresentação no canto inferior direito do cheque não teria o efeito de alargar o prazo de apresentação e que a prescrição teria por termo inicial a data de emissão, conforme acima exposto. Menos de dois anos depois, ao julgar o Recurso Especial nº 620.218/GO, a interpretação da turma mudou, conforme se verifica pela ementa:

COMERCIAL E PROCESSUAL CIVIL. CHEQUE PRÉ-DATADO. PRESCRIÇÃO.

O cheque emitido com data futura, popularmente conhecido como cheque "pré-datado", não se sujeita à prescrição com base na data de emissão. O prazo prescricional deve ser contado, se não houve apresentação anterior, a partir de trinta dias da data nele consignada como sendo a da cobrança.

Recurso não conhecido.

(REsp 620.218/GO, Rel. Ministro CASTRO FILHO, TERCEIRA TURMA, julgado em 07.06.2005, DJ 27.06.2005 p. 376)

Essa decisão está sendo objeto de embargos de divergência no próprio STJ, mas não encontra suporte na jurisprudência e doutrina majoritárias. Seria temerário o reconhecimento de que a menção a uma pós-data, diversa da data de emissão do título, teria o efeito de modificar a contagem prescricional do cheque, na medida em que bastaria ao seu portador inserir a expressão "bom para dia..." para que fosse alterado o prazo prescricional do título.

A Quarta Turma do STJ há muito firmou jurisprudência no sentido que a prescrição do cheque pós-datado começa a correr a partir da data de emissão. Nesse sentido está o Recurso Especial nº 767.055/RS, assim ementado:

DIREITO PRIVADO - CHEQUE PRÉ OU PÓS-DATADO - PRESCRIÇÃO - TERMO A QUO - CONTAGEM - DEFINIÇÃO PELA CORTE DE ORIGEM NO SENTIDO DE QUE PREVALECE A DATA INSERIDA NA CÁRTULA - PRETENDIDA REFORMA - ALEGAÇÃO DE QUE DEVE PREVALECER A DATA EM QUE DEVERIA SER APRESENTADO O CHEQUE E NÃO DA EMISSÃO - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO.

- O julgamento da Corte de origem se amolda à jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, no que concerne à prescrição de cheque pré ou pós datado, ao estabelecer que prevalece a data consignada no sobredito título de crédito, mesmo quando expressa data futura.

- Precedentes da Seção de Direito Privado: Resp nº 604.351-PR, Ministro Aldir Passarinho Júnior, DJ de 27/6/2005; REsps ns.

16.855/SP e 162.969/PR, ambos relatados pelo Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, respectivamente DJ de 07.06.1993 e 05.06.2000 e REsp n. 223.486/MG, Rel. Min. Carlos Alberto Menezes Direito, DJ de 27.03.2000.

- Recurso especial não conhecido.

(REsp 767.055/RS, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, QUARTA TURMA, julgado em 17.05.2007, DJ 04.06.2007 p. 360)

Analisando o inteiro teor de tal julgamento, percebe-se que houve engano na contagem prescricional do cheque por parte do tribunal de origem, fato que induziu em erro o Ministro Relator. Vejamos o relatório:

... Assegura que a controvérsia está centrada no termo inicial para contagem do prazo prescricional do cheque, desconsiderada a circunstância de se tratar de cheque pré ou pós datado. Afirma, contudo, que "ao contrário do que sustenta o aresto combatido, percebe-se, num exame até pouco acurado dos autos, que o cheque sobre o qual se trava toda a discussão, de fato, foi emitido em 21⁄08⁄00 - na forma pré-datada ou pós datada, como preferem alguns -, para ser apresentado para cobrança no dia 21⁄02⁄01, tão-somente" (fl. 302), de forma que embasado na dicção do artigo 59 da Lei nº 7.357⁄85, o termo inicial deve ser a partir da "expiração do prazo para a apresentação do cheque que, no caso dos autos, é de 30 (trinta) dias (artigo 33 da Lei nº 7.357), pois emitido em lugar onde deveria ter sido pago" (fl. 303). Nessa ordem de idéias, aduz o recorrente que o cheque não estava prescrito, quando apresentado para protesto em 1º de março de 2001 e com o escopo de demonstrar divergência jurisprudencial, trouxe à balha precedente desta Corte Superior de Justiça (cf. fl. 307).

O Ministro Relator, Hélio Quaglia Barbosa, assim fundamentou seu voto:

1. A pretensão recursal deduzida não merece acolhida.

2. Colhe-se dos autos que o julgamento da Corte de origem se amolda à jurisprudência desta Corte Superior de Justiça, no que concerne à prescrição de cheque pré ou pós datado, ao estabelecer que prevalece a data consignada no sobredito título de crédito, mesmo quando expressa data futura. Permita-se, por oportuno, reproduzir trecho do v. Acórdão impugnado, na parte que interessa: "... mostra-se abusivo o protesto realizado pelos réus, ora apelantes⁄apelados, pois, como, como é sabido, o cheque se constitui ordem de pagamento à vista, não importando a sua condição de pré ou pós-datado para a ocorrência de prescrição, continua possuindo seu termo a quo na data constante na cártula (21.08.00). Assim, consoante se percebe pela ´´Intimação de Protesto Cambial´´ (fl. 14 da cautelar em apenso), foi feita a apresentação do título de crédito em 01.03.01, ou seja, após ter decorrido o prazo de seis meses da prescrição (21.02.01), o que torna abusivo o protesto lançado" (fl. 286). Perfilhando a mesma linha de raciocínio, merecem ser trazidas à balha as ementas oriundas das Turmas que integram a Seção de Direito Privado, assim redigidas:

3. Pelo que precede, não conheço do recurso. É como voto.

Como se vê, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu por não computar os 30 dias do prazo de apresentação ao título, contando os seis meses prescricionais a partir da data de emissão (21/08/00), afirmando que a prescrição teria ocorrido no 21/02/01. Tal erro foi seguido pelo relator e pelo restante da turma, que acabou por não conhecer do Recurso Especial.

Houve igualmente falha do recorrente em não apontar, precisamente, a data de prescrição do cheque, apesar de sua fundamentação estar correta. Vejamos: o cheque foi emitido em 21/08/00, na praça de pagamento. Somando-se a tal data os 30 dias do prazo de apresentação (Lei do Cheque, art. 33), teremos o dia 20/09/00 como início do prazo prescricional. Acrescentando-se seis meses a essa data (Lei do Cheque, art. 59), tem-se que o título prescreveu em 20/03/01. O cheque em questão foi apresentado a protesto no dia 1º de março, antes, portanto, de sua prescrição.

5.2.2. Prescrição do cheque emitido com data futura

A prescrição desta modalidade de cheque também não apresenta maiores dificuldades, se o título for apresentado para pagamento na data que consta como sendo de emissão ou em data posterior: a contagem do prazo prescricional seguirá a regra da prescrição acima descrita.

A jurisprudência do STJ é tranqüila ao afirmar que, nesta modalidade de cheque ocorre uma ampliação do prazo de apresentação porque, sendo emitido com data futura, tal prazo efetivamente será aumentado pelo tempo decorrido entre a data real em que o título foi emitido e a data futura constante do cheque como sendo de emissão. Nesse sentido estão os Recursos Especiais nº 16.855⁄SP e 223.486⁄MG.

A regra da contagem do prazo prescricional somente comportará exceção nesta modalidade de cheque, se o título for apresentado ao banco antes da data constante como sendo de emissão, fato que evidenciaria que tal data é falsa. Nesse sentido está a lição de Fábio Ulhoa Coelho (2005, p. 448):

Os 6 meses prescricionais, na hipótese de apresentação precipitada de cheque pós-datado, contam-se como se o saque tivesse sido realizado na data da primeira apresentação ao sacado. Desse modo, se cheque de mesma praça, que ostenta o dia 2 de abril como data de emissão, é apresentado ao sacado em 15 de março, deve-se reputar prescrita a execução em 14 de outubro do mesmo ano, último dia em que o credor ainda a pode ajuizar.

Concordamos com a interpretação de Fábio Ulhoa na parte em que entende que o início do prazo prescricional será a data da primeira apresentação ao banco sacado, na medida em que se evidencia a data falsa de emissão, fato tolerado pela Lei do Cheque, art. 32, parágrafo único.

Discordamos, porém, da interpretação de Ulhoa, que conta o prazo de apresentação a partir da data da primeira apresentação (15/03 + 30 dias = 14/04 + 6 meses = 14/10). Não há nada na Lei do Cheque que autorize considerarmos o dia de apresentação do título ao sacado como sendo de emissão; na verdade, é impossível saber a data em que o cheque foi emitido, que seria o termo inicial para contagem do prazo de apresentação. Entendemos, em decorrência do exposto, que tal prazo deve ser desconsiderado, contando-se a prescrição de seis meses a partir da data em que o cheque foi apresentado (15/03 + 6 meses = 15/09).


6. Conclusões

a) De acordo com o artigo 33 da Lei nº 7.357/85, o cheque tem prazo de apresentação de 30 dias, quando emitido na praça de pagamento ou de 60 dias, quando emitido fora dela; tais prazos devem ser contados a partir da data de emissão. A apresentação do cheque ao banco fora do prazo legal acarreta ao portador a perda do direito regressivo contra os endossantes e seus avalistas (Lei do Cheque, art. 47, II), permanecendo o direito de ação contra o emitente (e seus avalistas), conforme súmula 600 do STF.

b) A prescrição do cheque, de seis meses, deve ser contada a partir do término do prazo de apresentação, de acordo com o artigo 59 da Lei do Cheque. A contagem deve ser feita da seguinte forma: da data de emissão, somam-se os 30 ou 60 dias do prazo de apresentação; à data resultante somam-se os seis meses prescricionais. É usual, porém incorreta, a contagem de 7 ou 8 meses para a prescrição do título. Tal interpretação é amplamente majoritária na doutrina e na jurisprudência.

c) O cheque pós-datado tem prescrição idêntica à do cheque comum, somente comportando exceção no caso de cheque emitido com data futura, se for apresentado ao banco antes da data que conta como sendo de emissão, evidenciando data falsa do saque.


7. Referências bibliográficas:

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REQUIÃO, Rubens. Curso de direito comercial. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, v. 2.

RIZZARDO, Arnaldo. Títulos de crédito. Rio de Janeiro: Forense, 2006.

SIDOU, J. M. Othon. Do cheque. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1986.



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