sexta-feira, 26 de março de 2010

Trabalho de Protesto de Títulos

O Protesto de Títulos

 

            O instituto jurídico do protesto apresenta-se essencialmente ligado aos títulos de crédito e ao direito cambiário. O protesto, como todos os institutos mercantis tradicionais, surge nas práticas medievais. João Eunápio Borges menciona o mais antigo protesto conhecido em Gênova, no ano de 1.384, de uma letra de câmbio proveniente de Barcelona (1.971, p. 114). Há autores que situam a existência do protesto em momento anterior, pois há notícia de protestos lavrados em 1.335. Em Pisa, em 1.305, já se incluía, entre as funções dos notários, a 'praesentatio' e a 'protestatio litteram', havendo referências que na França o instituto também era conhecido na mesma época.

            Perante a falta de pagamento do sacado de uma letra de câmbio, aceitante ou não, cumpria ao apresentante do título promover a 'protestatio', ato solene, a ser realizado em curto prazo, perante o notário e testemunhas. Com base nesse ato, o portador podia agir regressivamente contra o sacador da letra, o que podia efetivar-se por meio do ressaque (recambium).

            Em sua origem, mantido o sentido até a época atual, o protesto tinha por finalidade a conservação de direitos de regresso e a demonstração de que o portador desejava obter o aceite ou o pagamento da letra.

            Em nosso país, o Código Comercial de 1.850, que substituiu o Alvará de 1.789, disciplinou no título XVI que o protesto das cambiais era necessário: nos casos de recusa de aceite; na hipótese de o aceitante estar oculto ou em lugar distante ou não podendo ser encontrado; na hipótese de recusa do aceitante em devolver a letra entregue para aceite ou pagamento; na hipótese de ser desconhecido o domicílio do sacado ou aceitante; no caso de aceite limitado ou restrito à soma sacada; na recusa de pagamento; na falência do aceitante e na falta de aceite na letra de câmbio a tempo certo de vista.

            O Decreto nº 2.044, de 31 de dezembro de 1.908, revogou os dispositivos do Código Comercial sobre a matéria, tratando do protesto cambial nos artigos 28 a 33. Esse diploma prendeu-se às antigas tradições medievais, razão pela qual é formalmente rigoroso. Além do Decreto nº 2.044/1.908, o protesto também está regido pela Lei Uniforme de Genebra (Decreto nº 67.663/66, art. 44ss); Lei das Duplicatas (Lei nº 5.474/68, arts. 13 e 14) e Lei do Cheque (Lei nº 7.357/85, art. 48).

            Atualmente, a atenção volta-se para a Lei nº 9.492, de 10 de setembro de 1.997, que regula os atos de protesto e se dirige, basicamente, aos tabeliães responsáveis pelos protestos de títulos.

            O artigo 1º da Lei nº 9.492/1997 define que protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida. A instituição do protesto visa um rápido pagamento dos documentos e títulos levados ao cartório. A finalidade é dar uma rápida solução para litígios, sem onerar o Poder Judiciário, ou seja, ao invés do credor abrir um processo judicial, ele leva seu título ao Cartório de Protesto de Títulos e em um prazo razoável, o pagamento é feito e o problema é resolvido.

            Fiel à origem cambiária do instituto, o protesto tem por base a constatação do descumprimento de uma obrigação cambial. O legislador inova e moderniza o conceito de protesto, ao permitir que também outros documentos de dívida possam ser protestados. Esse aspecto rompe apenas aparentemente com a tradição do instituto. Na verdade, amplia as possibilidades de protestos, dentro dos princípios básicos históricos.

            Em matéria cambial, o protesto é prova oficial e insubstituível da falta ou recusa, quer do aceite, quer do pagamento, sendo de suma importância para o portador do título e para seus coobrigados de regresso. Sem o protesto, o portador de um título perderá os direitos contra os devedores de regresso, e, no tocante a esses coobrigados, a lei assegura a cada um deles, mediante o protesto, o meio simples e seguro de exercer seu próprio direito de regresso contra os coobrigados a eles anteriores. O protesto produz efeitos cambiários e extracambiários. No âmbito cambiário, por exemplo, o endosso efetivado após o protesto, endosso póstumo, produz efeitos de cessão de crédito. O protesto por falta de pagamento assegura ao portador os direitos cambiários em relação aos demais devedores.

            Segundo a doutrina tradicional, o protesto é um ato formal, com finalidade essencialmente probatória, uma vez que evidencia que o devedor não cumpriu a obrigação constante do título. Trata-se de ato jurídico em sentido estrito. O efeito probante do ato decorre exclusivamente da lei.

            Quanto à razão de ser ou motivo do protesto, levando em conta a recente lei regulamentadora que se desprende da origem essencialmente cambial e alarga o espectro do instituto, distingue-se: protesto por falta de aceite; protesto por falta de pagamento; protesto por falta de devolução do título e protesto com finalidade especial.

            O protesto por falta de aceite ocorre quando a cambial é apresentada para aceite e há recusa por parte do devedor indigitado. Esse protesto somente pode ser ultimado antes do vencimento do título ou após o decurso do prazo legal para o aceite ou para devolução (art. 21, §1º, da Lei 9.492/76).

            O protesto por falta de pagamento é o destinado a evidenciar que não ocorreu o pagamento de um título. Esse protesto, como é óbvio, somente pode ser ultimado após o vencimento da cambial (art. 21, §2º, da Lei 9.492/76). Nesse aspecto é que se torna possível o protesto de outros documentos de dívida, conforme a mais recente lei.

            O protesto por falta de devolução ocorre quando o sacado retém a letra de câmbio ou duplicata enviada para aceite, não devolvendo o título no prazo legal. Nessa hipótese, o protesto será lavrado com base na segunda via da letra ou na triplicata (art. 23 da Lei 5.474/68).

            O protesto com finalidade especial é destinado a títulos e documentos que a princípio não eram protestáveis, mas cujo protesto serve para atingir uma finalidade ou completar o sentido das obrigações no universo negocial. Em resumo, permitindo o legislador que outros documentos comprobatórios de obrigações e débitos em aberto sejam protestados, busca-se, por meio do ato jurídico do protesto, o aperfeiçoamento do princípio "pacta sunt servanda" (Pacta sunt servanda é um brocardo latino que significa "os pactos devem ser respeitados" ou mesmo "os acordos devem ser cumpridos").  Nessa modalidade de protesto incluem-se, entre outros, sentença com trânsito em julgado, contratos e outros débitos para fundamentar pedido de falência contra devedor comerciante (art. 10 da Lei de Falências revogada e atual Lei nº 11.101/2005, art. 94).

            Esse protesto com finalidade especial, antes somente restrito ao âmbito específico da falência, era lavrado em um livro à parte, livro especial, não participando da série de registros ordinários decorrente do direito cambial. Na nova lei, por força do artigo 23, todos os protestos, de todas as naturezas, devem assentar-se em um único livro, nele constando o motivo do protesto.

            No que concerne à função do protesto, faz-se referência ao protesto necessário e ao protesto facultativo. O protesto necessário, obrigatório ou conservatório é o que constitui ato essencial para o exercício de um direito cambial do credor. Trata-se, por exemplo, de resguardar o direito de regresso com relação a coobrigados do título e o direito de requerer falência. A Lei Uniforme introduziu a possibilidade da dispensa de protesto no art. 45, mediante cláusula inserida pelo sacador, quando então valerá para todos os coobrigados. Uma vez inserida a cláusula "sem protesto", fica o portador dispensado do protesto com relação a todos os coobrigados, quando aposta pelo sacador, ou algum ou alguns coobrigados mencionados expressamente. A lei adverte, porém, que o portador não fica dispensado da apresentação do título para garantir o direito de regresso. Essa cláusula, todavia, não é normalmente utilizada em nosso meio negocial.

            De outro lado se posta o protesto facultativo ou probatório. Nesse caso, o titular de um direito que leva o débito a protesto realiza o ato para comprovar que o devedor não cumpriu a obrigação no prazo e na forma devidos. Ontologicamente, porém, toda modalidade de protesto possui, em síntese, a mesma finalidade, qual seja, comprovar que alguém, posicionado em tese e objetivamente como devedor, deixou de cumprir uma obrigação, ainda que seja de fazer, como sucede no protesto por falta de aceite. O protesto tem, portanto, uma finalidade probatória que ressalta à primeira vista no exame do instituto. Sob essa óptica, não há distinção formal entre as diversas modalidades de protesto. A segunda finalidade que se ressalta no protesto é a conservatória de direitos, esta apenas reservada para situações específicas na lei. Por outro lado, quando a obrigação não tem prazo de vencimento, além das funções conservatória e probatória, o protesto gera efeitos moratórios, pois nessa hipótese há uma função constitutiva no ato. Esse, aliás, é o sentido introduzido pelo art. 40 da Lei nº 9.942/97:

 

            "Não havendo prazo assinado, a data do registro do protesto é o termo inicial da incidência de juros, taxas e atualizações monetárias sobre o valor da obrigação contida no título ou documento de dívida."

 

            Por fim, neste tópico, cumpre lembrar que o protesto cartorial ora tratado não se confunde com o protesto judicial, este disciplinado pelos artigos 867 e seguintes do CPC. O protesto cambial ou equivalente, ao contrário do protesto judicial que podia ter essa finalidade, não tinha o condão de interromper a prescrição, conforme, inclusive, Súmula 153 do STF: "Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição." O Código Civil de 2.002, no entanto, admite expressamente a interrupção da prescrição pelo protesto cambial (art. 202, II). Trata-se, sem dúvida, da melhor posição, de há muito reclamada pela doutrina, pois quem leva um título de crédito a protesto não se mostra inerte com relação ao seu direito. A prescrição, como se sabe, deve basicamente punir a inércia do titular de um direito.

O protesto não obriga o devedor a pagar, mas se o documento ou título for protestado, o devedor ficará com o nome inscrito nas empresas de proteção ao crédito. Somente após a liquidação do título e de todos os adicionais como multa, juros de mora e despesas do cartório é que o devedor estará livre da "lista negra" das instituições de proteção ao crédito. Para se cancelar um protesto, o devedor deverá estar com o título em mãos ou, caso o tenha perdido, poderá obter uma carta de anuência fornecida pelo credor, com firma reconhecida e, apresentá-la ao cartório.

Mas,   surge então, a questão de se saber de quem é a responsabilidade pelo cancelamento do protesto quando o título termina sendo pago somente após haver sido protestado? Na voz do STJ, cabe ao devedor providenciar o cancelamento de protesto de título junto aos cartórios, e não ao credor. O STJ afirmou que deve ser aplicado o art. 26 da Lei 9.492/97, em consonância com o art. 325 do Código Civil, para elucidar a responsabilidade. A lei fala, primeiramente, que qualquer interessado deve proceder ao cancelamento e, qualquer interessado, engloba, por óbvio, o devedor. O novo Código Civil, por sua vez, assinala claramente que as despesas com o pagamento e a quitação do débito presumem-se a cargo do devedor (Resp. nº 442.641).

 


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Bibliografia

 

JÚNIOR, Waldo Fazzio. Manual de Direito Comercial. 10ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

 

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direito Empresarial – Volume 8. 1ª ed. São Paulo: Atlas, 2010.

 

COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial: Direito de Empresa. 21ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

MAMEDE, Gladston. Manual de Direito Empresarial. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

 

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